terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Solidariedade

Esta postagem é uma reprodução do ESPECIAL sobre Doação de Órgãos e Tecidos publicado no Jornal Diário do Litoral (DIARINHO) de Itajaí/SC, edição de 31 de Janeiro de 2011, de autoria do Jornalista e Editor de Política Cláudio Eduardo de Souza.


Nosso muito obrigado a eles, à Enfermeira Milene, à Sra Mônica Sutil, à Sra Glaucimeri Amorim, aos colegas Luiz Carlos Amorim e Zé Agostinho Felício. E a todos que de alguma forma estão envolvidos na Doação de Órgãos, Tecidos e Células para Transplantes. 
 


Solidariedade

Milhares de vidas salvas
O primeiro transplante em Santa Catarina foi realizado em 1978. Desde então três mil pacientes que estavam na lista de espera já receberam órgãos ou tecidos de outras pessoas. Em média, 80% dos transplantes de rins, fígado e coração foram bem sucedidos
 

Ato de amor de doar faz ressurgir a vida

O DIARINHO ouviu a história de envolvidos em todas as etapas do processo de doação de órgãos e tecidos em Itajaí

FOTOS E TEXTOS: Cláudio Eduardo   


Somente o “sim” é capaz de transformar em alegria o que até então era só tragédia. Em 2010, a comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos (CIHDOTT) do hospital Marieta Konder Bornhausen de Itajaí foi autorizada por 62 famílias a retirar os órgãos após a morte do paciente. Número maior que no ano anterior, em que foram realizadas 41 captações. A estatística parece positiva, no entanto, representa apenas a metade dos que foram abordados e acabaram, por razões diversas, não autorizando a doação.
Quando o marido morreu, Mônica Castelini Sutil tinha todos os motivos pra não aceitar a retirada dos órgãos. A dona de casa de 40 anos sabia que Joel Coelho Sutil, 37, tinha registrado na carteira de identidade que não era doador. “Quando a enfermeira me perguntou, deu um baque e fiquei um pouco em dúvida. Lembrei do que ele colocou no documento. Mas depois me recordei que eu brincava dizendo que não adiantava nada ele ter colocado que não era doador, porque seria eu quem decidiria”, lembra Mônica.
Joel morreu de traumatismo craniano, vítima de uma queda, aparentemente, insignificante. Ele perdeu um afilhado e, quando foi ao velório ver o corpo, desmaiou. “Ele bateu com a cabeça na calçada. Foi internado num dia e três dias depois faleceu”, conta a dona de casa. Hoje, Mônica tem orgulho da decisão que tomou há dois anos. “Algumas pessoas me criticaram, mas eu não quis saber. Pensei que era melhor ajudar alguém do que deixar tudo apodrecer no caixão”, defende.
Ao final, a dona de casa soube o destino dos órgãos do marido. O coração foi pra Curitiba (PR), os rins pra Blumenau e o globo ocular pra Florianópolis. “Nos primeiros meses eu tinha muita vontade de saber quem estava com os órgãos dele. Eu passava pelas pessoas e pensava que poderia ser qualquer um que eu encontrasse pelas ruas. Hoje, já não imagino mais isso. O fato de saber que ajudei alguém já é suficiente”, destaca Mônica, orgulhosa de sua decisão.
E o exemplo veio de casa. “Meu pai sempre quis ser doador, sempre deixou bem claro que era pra retirar tudo que pudesse ser aproveitado pra salvar outra pessoa. E quando ele morreu, nós autorizamos também”, lembra a dona de casa. Ela diz que a corrente não para por aí. A única filha que teve com Joel apoiou a mãe na decisão de doar os órgãos do pai e já sabe que, se algo inesperado acontecer, ela deve autorizar a captação dos órgãos de Mônica. “Não conheço a angústia de quem está na fila, mas imagino que não seja fácil. Acho que todos devemos nos colocar no lugar deles”, conclui Mônica.
Mônica ignorou o que dizia na Identidade do marido e autorizou a captação.
ABORDAGEM

Hospital luta contra a desinformação dos parentes

Milene Aparecida Machado é quem tem a dura tarefa de abordar os familiares enquanto eles ainda choram pela morte do possível doador. Aos 47 anos, ela é a enfermeira que coordena a CIHDOTT do hospital Marieta Konder Bornhausen. “Procuro dar informações e apoio à família. Por mais que já faça esse trabalho há bastante tempo, sempre me coloco no lugar dos parentes”, afirma Milene. Mesmo emotiva, a enfermeira sabe que tem de segurar os sentimentos na hora do momento trágico. A missão dela é buscar a alegria de quem está na fila de espera por um transplante. “Alguém que morre por falência cerebral pode salvar pelo menos oito pessoas”, destaca.
Hoje, Milene não conhece a dor de quem ela aborda, só imagina. Entretanto, ela já provou a sensação de quem recebe um órgão. “Meu primo sofreu um acidente e ficou cego. Pra voltar a enxergar, estava na fila de transplante. No dia em que ele voltou a ver, percebi o quanto o trabalho que eu faço muda a vida de uma pessoa”, relata com a voz embargada de emoção. Ao falar do reconhecimento da profissão, a enfermeira não demonstra tanta altivez quanto deveria. Mas, no fundo, ela deve se encher de orgulho da tarefa que realiza todos os dias, imaginando a felicidade de quem recebe o novo órgão.
A grande luta de Milene é contra a desinformação. Ela busca alertar os familiares pra que autorizem a retirada dos órgãos. Mas nem todos concordam. Segundo dados do CIHDOTT, 37% negam a captação por não saberem o desejo do paciente, 20% ficam indecisos e 17% não autorizam porque o paciente se manifestou contra a doação quando estava vivo. “Como a doação só é realizada com o consentimento da família, pedimos que as pessoas conversem sobre o assunto e manifestem o interesse em doar. Esse é o melhor caminho pra aumentarmos o número de doações e salvarmos mais vidas”, apela a enfermeira que realiza esse trabalho de captação, em Itajaí, há mais de cinco anos.
A Enfermeira Milene coordena os dois lados da Doação.
Confira:
Transplantes realizados no estado de SC, em 2010:

Córnea: 502
Rim (doador vivo): 52
Rim (doador falecido): 175
Coração: zero
Pâncreas: 6
Fígado (doador vivo): zero
Fígado (doador falecido): 87
Osso: 29
Esclera: 66
Medula óssea: 52
Total: 969


FILA DE ESPERA

A angústia de quem aguarda pelo transplante há quatro anos

As estatísticas de 2010 só provam que a lista de espera por um órgão ou tecido não tem expectativa de diminuir significativamente. Mesmo com 969 transplantes realizados durante o ano em Santa Catarina, 1741 ainda aguardam na fila de espera. Luiz Carlos Amorim, 51 anos, teve de se aposentar por invalidez há quatro anos. Desde então, ele é um dos 171 catarinenses que aguardam na fila por um fígado novo. Hoje, ele já está num estágio bastante delicado. Precisa fazer o transplante com urgência. A luta do aposentado é contra o relógio.
Já com problemas pra caminhar, Luiz não sai mais de casa. Passa os dias na cama ou no sofá. A falência do fígado está afetando todo o organismo do aposentado, que tem dificuldade até pra falar. “Eu não aguento mais essa espera, não sei por que demora tanto. Mas eu já disse pro homem lá de cima que eu não morro tão cedo”, brinca Luiz. Nos últimos três anos, duas vezes ele chegou ao hospital com hemorragia. A mulher dele, Glaucimeri Rebelo Pereira Amorim, 39 anos, conta que os médicos chegaram a afirmar que o marido não escaparia. “As duas vezes foi a mesma coisa, ele colocou muito sangue pela boca e os médicos me disseram que ele não sobreviveria mais que 24 horas. Mas viveu e ainda está aqui”, comemora a professora.
A angústia pelo transplante envolve a família inteira. Glaucimeri diz que não pode deixar o marido sozinho em casa. Ela não consegue mais dar aula o dia inteiro como antes, precisa se revezar com o filho de 17 anos pra acompanhar Luiz. “Na semana, ele fica um dia bem e seis dias muito mal. Além da fraqueza e da tontura, tem vezes que ele dá uns surtos e não sabe o que está fazendo. Já o encontrei mordendo o controle remoto da televisão porque achava que era comida”, conta Glaucimeri. Isso acontece porque o fígado de Luiz já não consegue mais se regenerar sozinho e as toxinas dos medicamentos que ele toma, às vezes, são absorvidas pelo cérebro.
Luiz diz que passa o dia inteiro esperando o telefone tocar pra dar a notícia de que conseguiram um fígado pra ele. Tão ruim quanto a angústia é a ilusão. “Em 2008, ligaram me dizendo que chegou a minha vez. Arrumei minha mala, estava todo empolgado. Antes que eu saísse de casa, telefonaram de novo pra dizer que não era compatível”, recorda o aposentado. Mas ele não dá sinais de que vá desistir. “Não vou tão cedo, minha mulher ainda vai ter muito que me aturar”, brinca Luiz, que é casado com Glaucimeri há 20 anos. Apesar do problema de saúde, na casa deles o bom humor reina.
Fraco, Luiz já não consegue se alimentar direito. Ele sofre, mas diz que o segredo pra suportar a situação é não ficar só pensando na doença. A mulher dele é quem segura as pontas. Glaucimeri corre atrás dos medicamentos, agenda as consultas e administra a casa. “É angustiante saber que ele está mal e eu não posso fazer nada, só esperar”, reclama a professora. Ela faz um apelo pra que as famílias que tiverem a possibilidade de autorizar a captação de órgãos não neguem a chance de outra pessoa sobreviver.

Debilitado, Luiz depende da ajuda da mulher enquanto espera outro Fígado.
VIDA NOVA

Uma segunda chance, graças à doação

Quem vê José Agostinho Felício plantando e colhendo aipim e cebolinhas na roça não imagina o que ele passou recentemente. O aposentado de 53 anos é um transplantado. Ao contrário de Luiz, Zé Agostinho ficou apenas sete meses na fila de espera por um transplante de fígado. Desde 1984 ele tinha hepatite B, no entanto, a doença nunca havia se agravado. Porém, há dois anos, ele começou a ficar com uma fraqueza incomum. Logo o médico o colocou na lista de espera pelo transplante. “O médico me mandou parar até de trabalhar, na época, porque eu poderia ter uma forte hemorragia a qualquer momento”, lembra Zé Agostinho.
No feriado de 7 de setembro do ano passado, o aposentado fez uma festança entre a família e amigos. Ele comemorou o aniversário de um ano do fígado novo. “Foi a festa de um ano de vida nova. E, se Deus quiser, por muito tempo vou continuar comemorando essa segunda chance que recebi”, comenta Zé Agostinho. Ele disse que superou a angústia da fila de espera com muita fé. O aposentado tinha tanta certeza que tudo daria certo, que em nenhum momento lhe passou pela cabeça que não conseguiria um fígado novo. “Depois que eu fiz a cirurgia, não tive nenhum tipo de rejeição. O transplante foi um sucesso”, comemora.
Zé Agostinho diz que vai passar essa corrente pra frente. “Se eu estiver no lugar de quem vai decidir se autoriza ou não que retirem os órgãos de alguém da família, com certeza direi sim. Da mesma forma, se acontecer comigo, minha família irá autorizar. Tem muita gente morrendo por falta de um órgão”, argumenta o aposentado. Ele diz que o mais importante é zelar pela vida do próximo. “Caso a família do meu doador não tivesse essa noção de amor, talvez eu não estivesse vivo”, ressalta.
Recentemente, Zé Agostinho viu os órgãos de um irmão apodrecerem pela demora na decisão de doar. “Mesmo depois de terem visto tudo que eu passei, a família do meu irmão ficou na dúvida se doava ou não. Quando resolveram autorizar, era tarde demais. Só deu pra aproveitar as córneas”, lamenta. Hoje, o aposentado é um grande divulgador da importância da doação de órgãos e tecidos. Seja na igreja ou na conversa com os amigos, Zé Agostinho está sempre falando ou entregando materiais informativos sobre o tema. Afinal, ele é a prova viva de que a solidariedade salva.
Agora, o aposentado não tem mais barreiras pra viver. Da fase ruim, a única coisa que restou foi a necessidade de tomar remédios diariamente e o cuidado com a alimentação. Fora isso, Zé Agostinho não tem mais limites. Além de passar o dia cuidando de sua plantação, ele faz natação e hidroginástica pela manhã e dá aula de dança gaúcha à noite. “Me ajudou o fato de eu não fumar, não beber e não ter nenhum tipo de vício. Hoje tenho uma saúde ótima”, destaca. Ele recebeu uma segunda chance e garante que aproveitará cada instante da nova vida.
Zé Agostinho transformou-se num grande divulgador da Doação de Órgãos.



Como posso ser doador?
Pra ser doador não é necessário deixar nada escrito, em nenhum documento, basta comunicar sua família do desejo de doar. A captação dos órgãos só é feita após a autorização da família.


Que tipos de doadores existem?
Doador vivo: pode doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea e do pulmão. Pela lei, parentes até quarto grau e cônjuges podem ser doadores, caso contrário, somente com autorização judicial.
Doador falecido: são pacientes da unidade de terapia intensiva (UTI) com morte encefálica, geralmente vítimas de traumatismo craniano ou derrame cerebral. Ele pode doar o coração, pulmão, fígado, pâncreas, intestino, rim, córnea veia ossos, tendão e pele.

Pra quem vão os órgãos?
Pra pacientes que necessitam de um transplante e estão aguardando em fila única, definida pela central de transplantes da secretaria de Saúde de cada estado, pelo sistema nacional do Ministério da Saúde.

Como se pode ter certeza do diagnóstico de morte encefálica?
Não existe dúvida. O diagnóstico da morte encefálica é regulamentado pelo conselho federal de medicina. Dois médicos de diferentes áreas examinam o paciente, sempre com a comprovação de um exame complementar.

Após a doação, o corpo fica deformado?
Não. A retirada dos órgãos é uma cirurgia como qualquer outra e o doador poderá ser velado normalmente.





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