quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Dr Evaldo Inibidores de Proteases


Quem deve usar os Inibidores de Protease do VHC?

Implicações e reflexões sobre um dilema moral e médico: tempo importa!

Dr. Evaldo Stanislau Affonso de Araújo - Infectologista 

                Caros, acabo de chegar de Seattle onde participei do 18º Simpósio Internacional de Hepatite C e Vírus Associados. Com a cabeça ainda cheia de novidades, ao desembarcar, soube que meu primeiro paciente foi contemplado judicialmente com o acesso ao Inibidor de Protease para o VHC. Trata-se de uma paciente virgem de terapia e cirrótica na faixa dos 50 anos de idade. Se estou feliz? Não. Estou preocupado.

Em quase 20 anos de convivência profissional com a hepatite C, dos quais mais de 12 na militância do Movimento Social, pude observar todo o histórico da evolução da doença e sua terapia. Lembro-me claramente da primeira prescrição de interferon alfa que fiz, ainda como residente no HC-FMUSP. O que mais me marcou foi recorrer ao meu R2 (um ótimo residente, por sinal) e perguntar como o interferon atuava. E ele deu uma “enrolada” para disfarçar seu desconhecimento. Coitado, naquela altura, ninguém sabia direito (e até hoje estamos aprendendo).

Depois me lembro claramente da luta pela incorporação da ribavirina. Nessa altura já tinha o Jeová (do Grupo Esperança) como meu parceiro de briga. E aí, um intervalo até a chegada, em 2002, dos interferons peguilados. Com as ONGs mais organizadas (até realizamos o Primeiro ENONG em Santos) e com a mobilização de todos o Brasil rapidamente incorporou a nova terapia. E logo percebemos que estávamos muito distante do ideal. As taxas de resposta em “vida real” foram ainda menores que as já modestas, obtidas em Estudos Clínicos para o registro dos novos medicamentos. Bom, agora vivemos nova mudança. Não apenas a evolução da terapia mas, a mudança de como essa terapia será feita! Sim, passamos da terapia indireta (onde o interferon e a ribavirina por meio dos mecanismos do paciente atacavam o VHC) para a terapia DIRETA (onde os medicamentos atacam diretamente o VHC). Melhoramos a resposta a níveis que tornaram obrigatória a inclusão desses medicamentos na terapia padrão da hepatite C causada pelo genótipo 1. Recentemente a AASLD divulgou novíssimas diretrizes com tal recomendação.
              
Pois bem, a terapia avançou. Melhorou a taxa de resposta, encurtará a duração da terapia para provavelmente mais da metade dos pacientes, porém ainda com muitos obstáculos. O principal, mais relevante que a toxicidade, em minha análise, é a enorme gama de interações medicamentosas. Entre elas com drogas anti-rejeição o que inviabiliza a terapia para pacientes recidivantes da infecção (o que é regra) após o transplante de fígado. Outra importante interação é com drogas do dia-a-dia (controle de dislipidemia, hipertensão, ansiolíticos, etc). Isso quando sabemos que a hepatite C incide em uma faixa etária da população em que a presença de outras doenças, além da hepatite C, próprias do envelhecimento, é marcante. E aí, entramos no campo do manuseio dos eventos adversos da terapia, nos complexos esquemas posológicos e nas restrições, ou melhor, “adições”, dietéticas às quais os pacientes deverão submeter-se. Sim, os esquemas prevêem tomada (só dos IPs) de 6 a 12 cápsulas a cada 8 horas, além da ribavirina, do Interferon Peguilado e das medicações de uso contínuo (eventualmente adaptadas pelas interações já citadas) e/ou necessárias para controle dos eventos adversos. Além disso, se temos esquemas com menos comprimidos ou mais curtos, esses vem acompanhados com adições dietéticas complexas. A saber, meia hora antes da ingesta dos comprimidos uma refeição hipercalórica e gordurosa. Portanto, a vida real não será fácil e a adesão  à terapia, além disso, será crítica.
             
Bem, do lado do médico, restará ainda a preocupação de monitorar de forma efetiva a eficácia da terapia. Isso significa acesso a exames sensíveis e com resultado em tempo que permita conduzir a terapia (terapia guiada por resposta agora será mandatória). Significa ainda INTERROMPER  a terapia quando observarmos que a detecção de vírus em determinados momentos representa uma inaceitável pressão seletiva que vai gerar mais e mais resistência. Isso não só representa a falência da terapia atual como também o comprometimento da terapia futura!
               
Por tudo isso, não estou tranqüilo. Estou confiante, é diferente. E estou certo de que agora temos algo melhor a ofertar. Entretanto esse “melhor” demanda trabalho árduo, educação médica e dos pacientes. E exige PRIORIDADE.
               
A prioridade um é criar uma regra. Quem tratar? Não restam dúvidas acerca  de quem tem doença hepática mais avançada, ou seja, pacientes com fibrose grau 3 e 4. Pacientes com menor grau de fibrose, porém com sinais clínicos, histológicos ou laboratoriais de que poderão progredir, também devem ser considerados para terapia. Seguramente, pacientes com menos de 40 anos e doença hepática leve, podem e devem, ser monitorados para terapia futura ou usar terapia dupla, interferon peguilado com ribavirina.
               
 Porém, a outra prioridade não é a prioridade dois e, sim, a PRIORIDADE MÁXIMA. DETECÇÃO, ESTADIAMENTO E MELHOR DECISÃO TERAPÊUTICA! Eu venho dizendo ao longo dos anos que a História Natural da hepatite C (ou seja, como se comporta a progressão da doença), é uma aliada do gestor, porque lenta (décadas para evoluir). Ou seja, ela permitia ao mesmo, ações de planejamento, pesquisa epidemiológica e estruturação. Pois bem, NÃO É MAIS! Hoje o que vemos em nossas unidades de assistência é um número crescente de pessoas com doença hepática avançada e suas complicações. Um acréscimo na demanda por transplante de fígado. E, um aumento nas mortes por doença hepática secundária a hepatite C, quer seja notificada, não notificada e, sequer, diagnosticada...
Portanto, o elevado número de cirróticos batendo à nossa porta faz com que o tempo de planejar seja substituído pelo tempo de AGIR! Menos retórica, mais ação. Acima de tudo, PRIORIDADE.
O universo de infectados ainda não diagnosticados é muito grande. Talvez cerca de 40% desses já sejam cirróticos. O número de tratados é desprezível. A Rede Assistencial ainda é muito frágil. O acesso à terapia, desigual. E, o pior, a faixa etária mais acometida está acima dos 50 anos, ou seja, burocratizar a incorporação de avanços terapêuticos e diagnósticos e não priorizar (de verdade, não apenas na retórica) a estruturação de uma EFETIVA REDE de assistência e prevenção, é condenar uma geração de infectados à morte. A janela terapêutica desses pacientes mais velhos (e por conseqüência, mais enfermos) é muito estreita. Cinco anos a mais de espera pode representar a diferença entre poder ser tratado ou perder essa oportunidade e, infelizmente, morrer (e de uma morte ainda assim, falemos friamente nos números, onerosa ao Sistema de Saúde).

Portanto, do ponto de vista ético, moral e, até, financeiro, olhar a questão da hepatite C fora do contexto das reais prioridades é um equívoco, literalmente, mortal.
               
Como eu resolvi meu problema? Aplicando esses conceitos de forma individual. A exemplo do que fizemos na época do interferon peguilado, quando uma paciente sob meus cuidados foi a primeira a utilizá-lo por meio da Justiça, assim procedi quanto aos Inibidores de Protease recém registrados ou em via de registro.
Não será para todos, não deverá ser banal. Mas, qualquer paciente sob risco de perder sua chance de ter uma terapia mais efetiva, qualquer paciente portador de doença avançada e, acima de tudo, sob o sólido embasamento das evidências científicas, deve ter acesso a via Judicial. Enquanto isso, que a Rede se estruture! Trabalho e faço votos para isso, mas individualmente a minha responsabilidade de cuidar, obriga-me a lançar mão desse recurso constitucional.

Feliz? Não. Preocupado? Sim. Mas, sobretudo, criando um caminho para que individualmente cada paciente e cada colega busque o melhor para seu paciente. O tempo importa! A vida não pode esperar.

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